Lei Antifumo chega aos 15 anos consolidada, mas com deslizes e queda nas atuações

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Lei Antifumo paulista completa 15 anos em vigor nesta quarta-feira (7) consolidada como exemplo de legislação bem-sucedida por ter praticamente banido o fumo em locais fechados e públicos em São Paulo, algo inimaginável quando foi aprovada, em 2009.

 

Naquela época, frequentar bares, restaurantes e festas era sinônimo de cheiro de fumaça de cigarro impregnado em roupas e cabelos.

Quase duas décadas depois do intenso debate que se sucedeu após a mudança, que incluiu duas ações de inconstitucionalidade movidas pelos setores de turismo e serviços de alimentação, as regras continuam sendo seguidas pela grande maioria dos estabelecimentos na capital paulista. Exceções, porém, ainda são comuns, como fumantes debaixo de toldos e fumódromos, proibidos pela lei.

À medida que o comportamento geral se adequou às regras, diminuíram as fiscalizações e, consequentemente, as autuações. Em 2022 e 2023, foram aplicadas 614 multas, a metade das 1.200 registradas em 2018 e 2019, na pré-pandemia. No mesmo período, as inspeções caíram 21%.

“A frequência diminuiu um pouco porque está se mantendo o cumprimento da legislação”, diz Cristina Megid, diretora-técnica do Centro de Vigilância Sanitária, que afirma haver ações todos os dias da semana.

A ideia, segundo ela, é intensificar a fiscalização diante da disseminação do uso de cigarros eletrônicos, os vapes, em espaços fechados, em desacordo com a lei.

O uso dos dispositivos foi alvo de reclamações de clientes em visita da reportagem a ruas boêmias dos bairros da Barra Funda, Santa Cecília, Vila Mariana e Itaim Bibi. Além disso, foram constatados espaços dedicados a fumantes, os fumódromos, em desacordo com a lei. Há também bares que toleram cigarro embaixo de toldos.

Na balada da rua Augusta Kat Klub, é preciso passar por uma porta de metal sempre fechada para chegar ao espaço destinado a fumantes, com paredes e um teto semiaberto. No interior, um ventilador faz o ar circular.

A descrição se distancia do que é permitido na lei, que exige teto aberto, sem paredes. Os minutos em que a reportagem ficou no local foram suficientes para que a fumaça impregnasse roupas e cabelo. Até a garganta ficou seca.

“É um espaço pequeno e sem ventilação. Parece improvisado”, disse o designer Rogério Azevedo, 25, que fumava no local. Poderia funcionar melhor se houvesse mais espaço e ar livre, segundo ele.

Em resposta, o Kat Klub afirmou que o espaço de fumantes é isolado do restante da casa e que só 20% do teto é coberto para sustentação do sistema de exaustão. O modelo segue orientações da fiscalização, segundo a casa.

Outro local visitado foi o Mundo Pensante, na Bela Vista. Lá, a área de fumantes fica próxima à entrada, mas sob um teto semicoberto. A engenheira Bárbara Souza, 33, fumava um cigarro de palha no local. “Em teoria não poderia por causa da cobertura, mas perguntei se podia e falaram que sim”, explicou ela.

A casa disse que cumpre as regulamentações sobre o tema. “No nosso espaço externo, temos uma área parcialmente coberta que é cuidadosamente projetada para permitir a livre circulação do ar, o que é um dos requisitos essenciais para se considerar um ambiente ao ar livre e, portanto, permitido para fumantes”, diz a nota.

Em Santa Cecília, é comum ver pessoas em situação parecida, embaixo de toldos, ou com a mão para fora da cobertura. No bar Old Gold, um homem fumava cigarro dessa forma na última quarta (31). Segundo Antônio Genésio, sócio do endereço, a cena não chegou ao conhecimento da administração. Porém, os funcionários são orientados a conversar com os clientes que fumam no local.

“Todos sabem que é proibido e ainda tem a placa. Dentro do bar não acontece, mas debaixo do toldo é mais complicado e muitos insistem. Acho que isso acontece pela multa ser para o estabelecimento e não para a pessoa que está desrespeitando a regra”, diz.

Para fumar no bar Vaca Véia, no Itaim Bibi, os garçons pedem que a área externa seja utilizada, mas nem todos permanecem na calçada. Há casos de clientes que se acomodam nas mesas altas, tipo bistrô, ao redor do bar e sob uma marquise, e tentam direcionar a fumaça do cigarro aceso para fora -mas o cheiro da fumaça acabou invadindo o interior do estabelecimento.

Segundo Fábio Prado, sócio da rede, os garçons e seguranças são orientados a pedir aos clientes que fumem na calçada, fora das mesas ou marquise do local. “Nossa equipe sabe que é proibido, neste caso foi um erro mesmo. Reforçaremos para não acontecer novamente. Mas o nosso maior desafio são os cigarros eletrônicos. Exigimos que parem, mas é só dar as costas, que voltam a usar o vape”, explica.

No Boteco São Bento, na mesma região, quem quer fumar encontra duas mesas altas do lado de fora, sem cadeiras. Mas a falta de segurança preocupa frequentadores, como explica Vinicius Castelo Branco, 24, que se sente vulnerável ao fumar na rua.

“Foi uma surpresa para mim. Acho que é o primeiro bar onde preciso fumar na rua, pelo menos nos últimos meses. Geralmente, há algum espaço [interno] destinado ao fumante”, diz ele.

No bar Rabo de Galo, na região sul, é comum que fumantes saiam do espaço para fumar. Uma decisão ótima segundo o estudante Jean Luca, 24. “Ninguém é obrigado a sentir a fumaça alheia”, disse.

Segundo as normas do bar, vapes também não são permitidos dentro do salão. Há placas em lugares visíveis sobre a lei. “Caso a gente veja alguém fumando o produto, avisamos o cliente que não pode”, informou a casa.

Vendo um jogo de futebol no Tia da Pinga, na Vila Mariana, o fotógrafo Juan Cases, 34, afirmou que, no começo, não gostou da Lei Antifumo. Mas mudou de ideia. “As vantagens de hoje fazem muito sentido. E pensar que antigamente a gente ia num restaurante e tinha alguém fumando do seu lado. É uma coisa até bizarra de imaginar.”

ENTENDA A LEI ANTIFUMO

O QUE MUDOU COM A APROVAÇÃO DA LEI ANTIFUMO?

Antes, havia espaços para fumantes e não fumantes em bares, restaurantes, escritórios e outros ambientes coletivos fechados. Apesar da separação, o cheiro impregnava todo o ambiente.

APENAS O CIGARRO É PROIBIDO EM LOCAIS FECHADOS?

Não, a restrição é válida para qualquer tipo de produtos fumígeno, como charuto, cachimbo, narguilé e cigarros eletrônicos.

A PROIBIÇÃO SE ESTENDE AO USO DE CIGARROS ELETRÔNICOS?

Sim, por se tratar de um produto dispersor de partículas tóxicas.

ONDE É PERMITIDO FUMAR?

Residências, vias públicas, áreas ao ar livre, com exceção de parques, espaços comuns em condomínios e prédios comerciais. Em bares e restaurantes, somente é permitido em mesas dispostas na calçada e fora de toldos ou marquises. O fumo também é liberado em áreas abertas em estádios de futebol.

EM QUAIS LOCAIS COLETIVOS FECHADOS O FUMO É PERMITIDO?

Cultos onde o fumo faz parte do ritual religioso, dentro de espaços delimitados em tabacarias, estúdios de filmagem em que o uso faz parte da obra, instituições médicas em que o paciente é autorizado a fumar pelos médicos.

O FUMANTE PODE SER PENALIZADO CASO INFRINJA A LEI?

Não, a fiscalização é direcionada somente aos estabelecimentos.

O QUE ACONTECE SE O FUMANTE SE RECUSAR A APAGAR O CIGARRO?

Os donos dos estabelecimentos podem chamar reforço policial para obrigar o cliente a se retirar.

QUEM É RESPONSÁVEL PELA FISCALIZAÇÃO?

Em São Paulo, as ações de fiscalização são feitas pelo Procon e pela Vigilância Sanitária.

OS FUMÓDROMOS SÃO PERMITIDOS?

Não, em nenhum espaço delimitado por toldos, tetos, paredes ou qualquer tipo de estrutura.

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