OPINIÃO: Perspectivas para o mercado de veículos elétricos

Via Últimas notícias – Monitor do Mercado

Por Danilo Zanichelli*

Os últimos anos não têm sido fáceis para fundadores de startups. Em linhas gerais, a situação dos veículos elétricos é bem evidenciada por meio de relatório emitido pela KPMG, lançado no início de 2024, que não apenas destaca os principais aspectos que permearam o “desafiador” mercado de investimentos em venture capital de 2023, como também buscou desenhar as tendências para o ano 2024.

Down Rounds, encerramento das atividades, geração de caixa como prioridade. Esses foram apenas alguns dos aspectos que nortearam as atividades de startups ao longo de 2023. É interessante observar a alteração da premissa com a qual investidores de Venture Capital aportam seus recursos, que sai de “crescimento” para “lucro”. Em outras palavras, startups sem perspectiva de rentabilidade no curto e médio prazo devem continuar a sofrer com a escassez de recursos disponíveis no mercado de investimentos de alto risco.

É claro que o investimento em alguns setores tende a ser mais acertado. O relatório KPMG destaca ainda que investidores de Venture Capital estariam mais dispostos a realizar aportes de recursos em empresas de IA, cleantechs e healthtechs. De fato, foi isso o que se verificou no primeiro semestre do ano. Dentre os vários aspectos que seria possível abordar sobre o tema, vale tecer breves comentários sobre um mercado em franco desenvolvimento no Brasil: veículos elétricos e eletrificados (aqui tratados como sinônimos).

O desenvolvimento do mercado de veículos elétricos parece ser um caminho sem volta. Trata-se de um ambiente que cresce ano após ano no país. De acordo com informações da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), em 2019, foram licenciados 11 mil veículos elétricos no ano, ou seja, aproximadamente, 0,4% do total nacional. Em 2023, esse número saltou para 93 mil veículos elétricos, o que representou 4% do total nacional. E mais, no primeiro semestre de 2024, já foram 76 mil veículos elétricos licenciados, pasmem, pouco mais 7% do total licenciado no país.

Ora, a partir da avaliação da perspectiva passada, não seria leviano afirmar que qualquer montadora que não se adapte à corrida pelos veículos elétricos ficará para trás – obsoleta no tempo – como as máquinas fotográficas analógicas no período em que o digital começou a cair nas graças do consumidor. Hoje em dia, o hype do analógico existe mais pelo prazer de alguns jovens de viver algo que não tiveram oportunidade no passado, do que propriamente a criação de uma demanda independente para um mercado em franco crescimento, assim como deve acontecer com veículos a combustão.

Há quem defenda que o desenvolvimento do mercado de veículos elétricos se deve principalmente em virtude do aumento constante do preço do petróleo em nível internacional, fato que obrigaria o consumidor a buscar alternativas menos custosas. Sob essa premissa, o automóvel elétrico seria uma alternativa mais barata no longo prazo. Entretanto, ainda que a teoria pareça coerente, fato é que não há dados disponíveis no mercado que respaldem assertivamente essa conclusão.

A título meramente ilustrativo, ao considerarmos os dados da Anfavea a respeito do licenciamento de veículos elétricos, e dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP) relacionados ao preço médio da gasolina comum em território nacional, conclui-se que não há correlação direta significativa entre os dois padrões – que alcançam um coeficiente de determinação próximo de 30%. Em outras palavras, em condições normais de mercado, veículos elétricos são vendidos independente do preço da gasolina em território nacional. Trata-se de demandas diversas por produtos com funcionalidade similar. É claro que não se pode descartar uma eventual percepção do consumidor, ainda que inconsciente, de que o preço da gasolina deve subir continuamente e em nível superior à energia elétrica – o que não necessariamente é verdade, a depender das condições hídricas do período. No entanto, essa percepção não pode ser medida objetivamente sem um estudo de campo aprofundado sobre o tema.

Atualmente, além dos elevados custos de produção e preço de venda dos automóveis elétricos, que vêm caindo continuamente, há duas principais barreiras a serem superadas para o desenvolvimento da maturidade do mercado, quais sejam: (1) a disponibilidade de carregadores; e (2) o tempo de carregamento das baterias.

Sobre o primeiro ponto, ainda não é certo como se desenvolverá esse mercado. Ora, atualmente, o consumidor possui ampla disponibilidade de postos de gasolina para abastecer o seu veículo a combustão. Como não é possível produzir ou armazenar gasolina em casa, a demanda pelo serviço oferecido pelos postos de gasolina é inelástica, fato que gera os incentivos necessários para o desenvolvimento do mercado – já no seu início de declínio pós-atingimento do mais elevado grau de maturidade.

Todavia, quando o assunto é carro elétrico, ainda não há certeza sobre a forma como o mercado de oferta de carregadores deve se desenvolver. Parte dos consumidores terá acesso à energia elétrica e aos assessórios necessários para a recarga do veículo elétrico, a preços competitivos, na própria residência. Por consequência, ainda não há indicativo claro sobre a demanda desse serviço em nível macro, fato que gera grande receio no investimento e disponibilização de carregadores elétricos nos moldes dos atuais postos de gasolina. Em bem verdade, nos dias de hoje, verifica-se a disponibilização de carregadores de veículos elétricos em alguns poucos postos de gasolina, bem como em determinados estabelecimentos comerciais diversos como forma adicional de atração de clientela.

Ocorre que, após superar a primeira barreira, surge o segundo desafio. Atualmente, o abastecimento dos veículos a combustão dura entre dois e cinco minutos. Por sua vez, a recarga completa de veículos elétricos leva entre trinta minutos e uma hora. Ou seja, é necessário aguardar um período relevante de tempo em um posto de abastecimento ou estabelecimento comercial de terceiro. A principal dificuldade é não apenas das montadoras em desenvolverem baterias a custos acessíveis que sejam capazes de suportar a recarga rápida sem perda de vida útil do produto, como de fabricantes de carregadores, que deverão empenhar grandes esforços para produzir um equipamento com capacidade para carregamento rápido.

Em suma, não se pode negar que houve um crescimento significativo do mercado de veículos elétricos, mas ainda há muito a ser desenvolvido. Onde alguns veem dificuldades, outros encontram soluções. De acordo com levantados pela Associação Brasileira de Startups, em 2021, o Brasil já contava com 177 Cleantechs dos mais diversos segmentos e estágios de desenvolvimento. Neste contexto, entidades que sejam capazes de solucionar desafios para o desenvolvimento do mercado de veículos elétricos devem estar no radar de investidores interessados em explorar um mar de oportunidades. O aumento na venda de veículos dessa natureza impulsiona serviços correlatos. Aos poucos, cria-se um ecossistema onde oferta impulsiona demanda e demanda impulsiona oferta. Resta agora aguardar para entender “quando” – e não “se” – o mercado de veículos elétricos deve atingir o seu maior grau de maturidade.

*Danilo Zanichelli, advogado especialista em fusões e aquisições do Abe Advogados

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