A cotação do R$/US$ voltou a se aproximar dos 5,70 recentemente, vinda de cerca 5,45 há uns 15 dias. Parte dessa depreciação está associada ao chamado “Trump trade”, com os investidores ajustando seus portfólios diante da expectativa de que Donald Trump possa vencer as eleições norte-americanas, no começo de novembro.
Há algumas semanas, parecia ser maior a chance de que Kamala Harris saísse vitoriosa. Mas isso mudou, com Trump um pouco à frente nas apostas. Essa mudança afeta bastante os preços dos ativos, já que a política econômica sob Trump tende a ser mais desfavorável para o mundo: sondagem recente do Wall Street Journal aponta que, sob Trump, os déficits fiscais, a inflação e os juros seriam muito maiores.
Outra parte da depreciação reflete o noticiário doméstico, particularmente os ruídos envolvendo a política fiscal. Se, por um lado, parece ser bastante provável que a meta fiscal deste ano seja cumprida, por outro as incertezas quanto à dinâmica da dívida pública nos próximos anos se avolumam.
Isso porque certas alas do governo desejam continuar expandindo os gastos em um ritmo muito elevado, seja dentro do Orçamento, seja fora dele, burlando a regra fiscal criada pelo próprio governo atual, que limita a expansão da despesa real em +2,5% a.a. (variação bem acima do crescimento populacional atual, de 0,4% a.a., vale notar).
Contudo, se até recentemente uma expansão fiscal poderia ser justificada –uma vez que a economia brasileira vinha operando com excesso de ociosidade entre 2016 e agora, situação que era deletéria para as próprias contas públicas, ao rebaixar a arrecadação—, hoje, com a economia próxima ao pleno-emprego, a política fiscal/parafiscal deveria ter uma postura mais neutra.
Isso não significa “cortar gastos” e sim assegurar que a despesa total cresça em linha com o crescimento do PIB. Para isso acontecer, é preciso colocar em prática uma revisão abrangente dos gastos primários, já que muitos deles estão crescendo acima disso e há evidências de ineficiências, má focalização, regressividade e mesmo fraude.
O ponto de partida muito deteriorado hoje —taxa de câmbio perto dos 5,70, taxas de juros reais longas em quase 7% a.a.— abre uma janela de oportunidade para que o governo possa viabilizar a chamada “consolidação fiscal expansionista”.
O anúncio e a implementação de um pacote crível de controle do ritmo de alta dos gastos obrigatórios poderiam gerar forte queda dos juros longos, impulsionando o investimento produtivo e o PIB, além de melhorar a sustentabilidade da dívida (elevando a chance de recuperarmos o grau de investimento).
Ademais, também poderia gerar uma valorização do R$/US$, aliviando a inflação (que irá fechar este ano no teto da meta basicamente por conta da depreciação cambial de mais de 10% desde abril e da seca severa), evitando novas altas da Selic e permitindo que ela voltasse a recuar em direção ao juro neutro, de cerca de 8,5% a 9% a.a.
Uma relação R$/US$ voltando para perto de 5,00, além de baratear comida, combustíveis e outros produtos, ainda aumentaria a aprovação do governo em pouco mais de dez pontos percentuais, segundo minhas estimativas.
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Publicitário e Jornalista.