Os evangélicos, em geral, para tomar decisões e se posicionarem, são muito atentos ao que a Bíblia diz. Mas e se o texto bíblico afirmar que o homem não é o senhor da criação, como muitos imaginam, e que a Terra, em vez de ser um objeto passivo, é um ser atuante que criou a humanidade junto com Deus?
Esse debate, proposto por um brasileiro, pode influenciar a maneira como milhões de cristãos veem sua responsabilidade em relação à sustentabilidade.
O pastor Edson Nunes tem “lugar de fala” para ser ouvido sobre esse tema. Além de religioso, ele é um acadêmico fluente em grego e hebraico clássicos, as línguas em que a Bíblia foi originalmente escrita.
No doutorado —defendido no Centro de Estudos Judaicos da USP, em 2017—, ele se dedicou a examinar o texto bíblico “microscopicamente”, palavra por palavra, como afirma o título de sua dissertação.
Edson analisou os nove primeiros capítulos do livro de Gênesis. Seu pulo do gato foi considerar personagens da história aqueles que agem e têm seus nomes associados a verbos. Ao identificar os verbos no texto, ele notou que, além de Deus e do homem, a Terra também tem agência; ela recebe comandos e executa ações.
Logo no primeiro capítulo (Gênesis 1:26), há uma frase famosa em que Deus diz: “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança”. O verbo está no plural. Se os personagens até o momento são Deus e a Terra, o texto sugere que Deus cria o homem junto com a Terra. Edson leva essa análise para os capítulos seguintes, alterando radicalmente o desfecho da história.
Sim, o homem recebe de Deus a soberania sobre a Terra, mas a perde ao pecar e ser expulso do Éden. A partir daí, a Terra ganha autonomia, ficando subordinada apenas a Deus. Ela passa a aparecer no texto como agente, denunciando as situações em que o ser humano falha.
Por exemplo, no capítulo 4, está escrito que Deus disse a Caim, após ele matar seu irmão: “Agora, você é amaldiçoado pela Terra, que abriu a boca para receber da sua mão o sangue do seu irmão. Quando você cultivar a Terra, ela não lhe dará mais o seu fruto. Você será um fugitivo sem rumo pela Terra”.
É a Terra que amaldiçoa Caim aqui, obedecendo a Deus. As implicações dessa proposta são profundas e estão visceralmente relacionadas ao tema da sustentabilidade. Se o texto aponta a Terra como sujeito participante, é ela, não a humanidade, que é punida com o Dilúvio (Gênesis 7). Isso ocorre porque ela se corrompe e deixa de denunciar o ser humano quando ele é violento. Ao fim desse episódio, Deus restabelece sua aliança com a Terra e promete nunca mais destruí-la.
Como é comum com quem revela verdades incômodas, o resultado desse estudo causou escândalo, precipitando a expulsão de Edson da Igreja Adventista, denominação de sua família havia várias gerações.
No entanto, para os milhões de cristãos que buscam evitar o pecado para renascer no Paraíso, essa contribuição pode ressignificar a vida, especialmente no momento em que megaincêndios e fumaça nos dão uma amostra do que são o apocalipse e o inferno.
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Publicitário e Jornalista.