Beber muito ou pouco não depende de querer ou não – 17/10/2024 – Ruy Castro



A qualquer artigo sobre alcoolismo (e a Folha está publicando uma magnífica série com as reflexões pessoais de Alice S.), leitores comentam que é possível a uma pessoa beber sem se embriagar, se “souber beber”. Concordo. Conheci pessoas que tomavam 10 uísques ou 30 chopes numa sentada e nunca se embriagavam —donde “sabiam” beber, não? E como eram capazes disso? Porque seus organismos eram feitos para absorver bebida em qualquer quantidade, com poucos sinais de alteração e, acredite ou não, zero ressaca. Duvida? Posso garantir que é possível —porque eu era uma dessas pessoas.

Beber muito ou pouco não depende de o sujeito querer ou não. Não passa pela “força de vontade”. Quem decide é o organismo. Se você se limita a um uísque, duas taças de vinho ou três chopes (quantidades iguais em valor alcoólico), é porque sabe que provavelmente passará mal se exceder esse limite. É o que seu organismo tolera sem efeitos adversos. Você sabe que uma ou duas doses a mais resultarão em enjoo, vômito ou dor de cabeça —a clássica ressaca—, e, como já passou por isso, refreia a vontade de continuar bebendo. Donde não é que você “sabe beber” —apenas não consegue beber mais do que bebe.

Se todos tivessem embutido esse limite orgânico para beber, não haveria alcoolismo. Este só existe porque há pessoas, cerca de 15% da humanidade, para quem o álcool é pouco mais agressivo do que a água. E como, aparentemente, ele não as afeta, elas bebem quantidades impensáveis para uma pessoa “normal”. São capazes de ingerir duas garrafas de vodca por dia durante anos e continuarem trabalhando sem que isso comprometa sua produtividade.

Mas não para sempre. O fato de o álcool não lhes causar problemas imediatos não significa que não esteja agindo em silêncio no organismo, preparando-o para o dia em que você já não beberá por prazer, mas para não se sentir mal. Esse sentir-se mal é o tremor das mãos pela manhã, o chão que foge dos pés —a síndrome de abstinência, que só pode ser aplacada com uma dose, ou duas, ou três ou mais.

O nome disso é dependência. A partir desse estágio ninguém “sabe” beber.


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