Trago alguns “spoilers”, mas nenhuma surpresa, sobre o recém-lançado longa “Maníaco do Parque”, inspirado na história real do serial killer brasileiro que causou comoção no final dos anos 1990.
Mais uma vez, estamos diante de uma peça publicitária que dá a um assassino em série tudo o que ele mais deseja: protagonismo e fama. Já vimos esse filme antes. Um filme idealizado, escrito e dirigido por homens sobre feminicídio, que retrata o assassino como uma figura complexa, carismática, enigmática.
E as vítimas, como mulheres sem nome, sem história pessoal, sem passado, sem desejos, medos, objetivos, traços de personalidade, e qualquer outra camada que as humanize. A única função dramática dessas mulheres, no filme, é a de serem mortas.
É pelo ponto de vista do protagonista, interpretado por Silvero Pereira, que o público “conhece” as vítimas. Sem saber de onde elas vieram, mas sabendo para onde elas vão, o espectador só as acompanha no momento em que o assassino as aborda e as executa. O filme não oferece, a quem vê, nenhuma oportunidade de criar vínculos emocionais com essas personagens.
O longa vem sendo divulgado com a falsa premissa de que, pela primeira vez, o ponto de vista das vítimas seria considerado. Mas a história de nenhuma dessas mulheres tem começo, meio e fim; não há uma cena sequer sob a perspectiva delas. São só vítimas. Não há dignidade em ser retratada como um objeto, e não sujeito, de nenhuma ação.
A “solução” encontrada para trazer um contraponto feminino à história foi costurá-la pela investigação de uma repórter, uma personagem ficcional que também sofre abusos na vida pessoal e profissional – afinal, a condição feminina se reduziria a isso, não é mesmo?
Os caras se deram ao trabalho de inventar mais uma mulher que não existe, uma mulher que supostamente falaria por todas as outras, mas que passa a maior parte do tempo falando sobre o assassino. Por quê? As histórias de Patrícia, Selma, Raquel, Isadora, Rosa e Elizângela não são interessantes o suficiente?
Quem eram essas mulheres? O fato de elas dividirem o mesmo destino trágico não significa que elas sejam iguais. Essa é a visão de quem decidiu contar essa história dessa maneira, perpetuando o ciclo de aniquilação feminina. E essa é a única denúncia que esse tipo de filme traz à tona.
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Publicitário e Jornalista.