Médico que defendeu cloroquina contra a covid é eleito representante de SP no CFM

A “Força Médica”, que se define como a “única chapa de direita”, venceu a eleição promovida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e ocupará as cadeiras reservadas ao Estado de São Paulo na gestão 2024-2029 do órgão nacional. O infectologista Francisco Eduardo Cardoso Alves assumirá como titular e o ginecologista e obstetra Krikor Boyaciyan, como suplente.

 

Formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Cardoso foi um proeminente nome na defesa da cloroquina e outros medicamentos que ficaram conhecidos como “tratamento precoce” e “kit covid” na pandemia de covid-19. Também tem criticado as vacinas desenvolvidas para combater o coronavírus e chegou a chamar os imunizantes de “lixo” nas redes sociais.

Esses tópicos não aparecem nas propostas da chapa, conforme documento disponibilizado na plataforma do CFM. Entre as 17 proposições, constam “combate à falsa ciência” e “promoção de debates médicos baseados em evidências robustas”. Questionado pelo Estadão sobre a incoerência entre as propostas da chapa e a defesa de medicamentos não recomendados pela Organização Mundial da Saúde para prevenir ou tratar a covid-19, Cardoso respondeu que o fato de a OMS recomendar ou não certo tipo de tratamento ou conduta “não diz respeito necessariamente ao grau de evidência científica que o tratamento possui”.

“Existem evidências a favor e contra essa droga (cloroquina), assim como existem situações iguais para praticamente todo tipo de tratamento médico. Tem pessoas que defendem tratamentos sem nenhuma comprovação de eficácia, como canabidiol, que possui evidências fracas a moderadas apenas, e usam o mesmo discurso para combater outras drogas. Isso é politização da medicina. O receituário médico não pode ter cor política”, disse.

Em 2021, Cardoso depôs por horas em uma sessão esvaziada da CPI da Covid, na qual defendeu o “tratamento precoce” – embora ele aponte que o termo não é apropriado – e afirmou que sua equipe havia atendido mais de 4 mil casos, com “pouquíssimos desfechos fatais”. Esses dados, até o momento, não foram publicados em uma revista científica revisada por pares.

Cardoso também faz ataques às vacinas contra o coronavírus, contrariando a OMS, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Saúde.

Durante audiência da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, em novembro do ano passado, que discutia a obrigatoriedade da imunização de crianças de 6 meses a 5 anos, ele chegou a dizer que as vacinas “não têm benefício comprovado, não diminuem internação, não diminuem óbito, não diminuem transmissão, nem entre as crianças nem entre os adultos”. Estudos publicados em revistas científicas de prestígio discordam: foram 303 mil mortes evitadas no primeiro ano de vacinação no Brasil e 19,8 milhões no mundo.

“Ratifico minha fala de que os imunizantes para covid-19, a despeito da imensa propaganda a seu favor, não possuem estudos definitivos favoráveis sobre sua eficácia em prevenir infeção, diminuição de óbito, agravo clínico ou controle de epidemia”, respondeu Cardoso à reportagem.

Politização

Outra proposta da chapa é o “combate à politização da Medicina”. Nas redes sociais, porém, a chapa apostou no apoio de Luciano Hang, empresário com grande atuação política nos últimos anos, para angariar votos.

Em 2022, o empresário desistiu da disputa pelo Senado. Na época, afirmou que priorizaria a família e a empresa, mas seguiria como um ativista político. Em 2023, ele foi declarado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por abuso econômico na eleição municipal de 2020.

Indagado, o médico respondeu: “Desde quando exibir apoio de amigos e admiradores significa politizar o assunto? Qual o partido político que o sr. Hang está filiado? Ele já concorreu a algum cargo? Ele não pode apoiar pessoas que estão concorrendo a cargos eletivos de toda natureza? Ele não tem direito à opinião? Ele não pode exercer sua cidadania? Esse tipo de pergunta é justamente a politização que queremos ver longe da medicina.”

‘Dignidade’

A chapa também propõe a “proteção dos médicos contra ataques à sua dignidade de qualquer origem”. Em 2022, Cardoso foi condenado por difamação contra outro médico, com uma pena de três meses de detenção, que foi convertida em prestação pecuniária de dez salários-mínimos. A defesa dele entrou com pedido de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que foi negado.

Ao Estadão, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) informou que o processo não está em fase de execução de pena, pois, após “inúmeros recursos”, está sendo analisada a possibilidade de proposta de suspensão condicional. Trata-se de um tipo de acordo entre o Ministério Público e o acusado, no qual ele cumpre as condições impostas pelo juiz e a punibilidade é extinta.

“São assuntos completamente diferentes. A dignidade dos médicos se refere ao modo como o médico é tratado em seu local de trabalho (higiene, condições físicas, equipamentos, segurança), como o médico é tratado pelo gestor, a remuneração médica e a não exploração trabalhista do médico”, disse Cardoso.

Investigação

Em 2021, o Estadão revelou que Cardoso era investigado pelo INSS e pelo então Ministério da Economia por suspeita de irregularidades no recebimento de auxílio-doença entre 2019 e 2021.

No período, ele manteve intensa atividade de divulgação dos remédios sem eficácia comprovada contra a covid, inclusive com a participação em encontros com médicos suspeitos de integrarem o chamado gabinete paralelo, grupo crítico a vacinas e favorável ao tratamento precoce que estaria assessorando de maneira informal a gestão do presidente Jair Bolsonaro na pandemia.

Apesar de propagandear protocolos de tratamentos para a doença, ele passou todo o ano de 2020 supostamente sem lidar com infectados após pedir afastamento do trabalho em 2019 por sequelas de um problema de saúde neurológico. Mesmo tendo o salário como perito garantido (ele estava licenciado do cargo por sua atividade na Associação Nacional dos Peritos Médicos da Previdência Social), ele deu entrada no auxílio no INSS na condição de médico autônomo alegando que sua doença não o permitiria trabalhar no atendimento a doentes.

Cardoso alega que a informação é falsa e a investigação nunca existiu. O Estadão pediu atualizações sobre o caso para o INSS e para o Ministério da Previdência, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

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