Via @agencia_lupa | Circula, pelas redes sociais, um vídeo com a alegação de que uma nova lei prevê o direito a uma “pensão socioafetiva”, mesmo em casos de relacionamentos breves. A publicação narra um suposto caso de uma mãe que, tendo se relacionado com um homem por apenas dois meses, teria conseguido garantir ao filho uma pensão. Falso.
Por WhatsApp, leitores da Lupa sugeriram que o conteúdo fosse analisado. Confira a seguir o trabalho de verificação:
“Nova lei de pensão surgindo aí. Pensão socioafetiva vai funcionar da seguinte forma: isso é pras mamães solo, separada, viúva, não importa, mas que tem filho. A pessoa que se relacionar com ela não precisa nem casar, só de namorar. E se tiver fotos aí no meio juntos, o namorado tem que pagar pensão até vinte e cinco anos de idade.” – Áudio em publicação nas redes sociais
Falso
Não existe uma nova lei que prevê “pensão socioafetiva”, nem que obrigue pessoas que tiveram um relacionamento curto com uma mãe solteira, divorciada ou viúva a pagar pensão alimentícia para os filhos da parceira.
A alegação enganosa já circulou em outros momentos nas redes sociais, com versões que afirmavam a obrigatoriedade do pagamento de pensão por padrastos, o que também não é verdade em todos os casos. É preciso que se comprove o exercício da autoridade parental para que haja possibilidade de cobrança de pensão.
O que diz a legislação?
O que o Código Civil Brasileiro dispõe é que o direito à pensão alimentícia é recíproco entre pais e filhos e estende-se aos demais ascendentes (por exemplo, os avós), sempre respeitando o maior grau de parentesco. Mas há nuances que devem ser observadas.
De acordo com a defensora pública e mestre em Direito Civil pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Luciana Mota, obrigação de pagamento de pensão entre pais e filhos pode ser imposta quando a filiação é biológica ou civil (casos de adoção, reprodução assistida ou socioafetividade).
No caso da socioafetividade, no entanto, é preciso que haja um vínculo plenamente estabelecido. “A filiação socioafetiva é reconhecida quando comprovado que, na relação entre as partes, se tratam como pai/mãe e filho, havendo notoriedade pública a respeito dessa relação, efetivo exercício da autoridade parental e projeção social desse vínculo”, diz Mota.
A defensora explica que, a rigor, na relação entre padrastos e enteados, há apenas um parentesco por afinidade que, por si só, não caracteriza filiação socioafetiva e, portanto, não obriga o pagamento de pensão alimentícia.
Há casos, porém, em que o padrasto, diante do tempo decorrido e da natureza do relacionamento com o enteado, exerce, de fato, a autoridade parental. Se for caracterizada a filiação socioafetiva, é possível que o enteado busque judicialmente o pagamento da pensão.
O caso apresentado no vídeo viral, de um relacionamento que teria durado apenas 2 meses, sem sequer ter configurado um namoro, não seria suficiente para configurar a filiação socioafetiva.
“Embora a Lei não preveja tempo mínimo de relacionamento para que possa haver estabelecimento de vínculo de filiação socioafetiva, o tempo de 2 meses, apenas, de relacionamento é pouco para configuração de vínculo de filiação. Logo, o padrasto teria apenas um vínculo de afinidade e não de socioafetividade, que não gera obrigação alimentar”, diz Mota.
“Para haver a paternidade socioafetiva é necessário que se comprove que este pai já assume, na prática, a função paterna, exercendo autoridade parental. Não basta ser padrasto. Precisa mesmo se comportar como pai”, completa.
Proposta de atualização do Código Civil está em fase de discussão
Em abril de 2024, uma comissão de juristas, coordenada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luís Felipe Salomão, apresentou ao Senado Federal um anteprojeto de atualização do Código Civil. O objetivo da comissão, criada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), era incluir novas considerações sobre as relações civis à luz de mudanças que ocorreram desde a implementação do Código Civil, em 2002, tais como a popularização das redes sociais e os novos arranjos familiares aceitos pelo Estado brasileiro.
Entre as propostas de atualização presentes no anteprojeto, estão, além do reconhecimento da socioafetividade quando houver uma relação baseada no vínculo afetivo – e não no vínculo sanguíneo – a multiparentalidade, ou seja, a ocorrência de mais de um vínculo paterno ou materno em relação a um indivíduo.
“Já é o que vem sendo decidido pelos Tribunais Superiores. O anteprojeto visa positivar o que já vem sendo feito pelo judiciário”, afirma Luciana Mota.
A única atualização relacionada à pensão sugerida no anteprojeto é a introdução dos chamados “alimentos gravídicos”, ou seja, uma pensão devida a partir do início de uma gestação.
Fonte: https://lupa.uol.com.br/jornalismo/2025/01/23/nao-existe-nova-lei-que-preve-o-pagamento-de-pensao-socioafetiva