No Recife é possível ser evangélico e de esquerda – 14/10/2024 – Juliano Spyer



“É impossível a pessoa ser evangélica e de esquerda.” Essa frase, repetida à exaustão por religiosos bolsonaristas, contrasta com o resultado de votações como a que reelegeu João Campos como prefeito do Recife.

A palavra “socialista” está no nome do partido que ele representa e, no entanto, de cada 10 eleitores, 8 quiseram que ele permanecesse no cargo. O que, então, o caso do Recife nos ensina sobre relacionamento entre esquerda e evangélicos?

Procurei o pastor batista José Marcos da Silva para responder a essa pergunta. Uma das atividades da organização que ele lidera, o Instituto Solidare, é fiscalizar os gastos da Prefeitura do Recife em obras para prevenir alagamentos na cidade. Ele transita entre evangélicos de esquerda e direita e conhece bem os equipamentos públicos, especialmente o sistema de saúde, do qual depende. Em resumo, é uma liderança religiosa que conhece o mundo popular por dentro e está atento à política.

Para o pastor José Marcos, a inovação de João Campos —paradoxalmente— está em ele ser um político tradicional, no sentido de evitar o radicalismo e negociar com todas as partes. “Em uma régua onde a extrema esquerda fica no zero e a extrema direita no dez, ele é bem aceito por todos os que estão entre o 3 e o 7.”

Outro diferencial de Campos, segundo o pastor, é sua neutralidade no campo religioso. Ele seria bem recebido aonde quisesse ir, de igrejas evangélicas a terreiros de candomblé, mas evita visitar templos, negociar apoio com líderes. Ao mesmo tempo, sua linguagem popular permite que ele se comunique naturalmente com pessoas de diversas crenças, ao falar de fé e de Deus de forma ampla.

Assim, age de forma oposta ao PT, que nas últimas décadas tem se aproximado de líderes religiosos poderosos, mas não esconde seu desinteresse pela religião. José Marcos diz: “Essa esquerda jogou a igreja para o canto da parede como quem varre a sala com pressa”.

Essa lógica se aplica também às pautas identitárias, que dificultam a relação da esquerda com evangélicos. Segundo o pastor, João Campos prefere atuar na prática, oferecendo serviços e reconhecendo direitos, em vez de alimentar divisões ou se prender a debates sobre quem está certo ou errado.

Porém, nada disso funcionaria sem o principal: melhorar a vida das pessoas. José Marcos cita escolas reformadas, obras de contenção das cheias, postos de saúde funcionando e creches decentes. “Na hora da eleição, se o pastor diz algo, o evangélico mais pobre ouve, mas na hora de votar, aperta o número e ponto final.”

Obviamente, a fórmula de sucesso de João Campos é muito mais difícil de ser emulada. Ele é produto de várias gerações de políticos nordestinos. Aprendeu a fazer política em casa, desde cedo, na prática, observando e ouvindo os mais experientes. Ele também combina carisma e juventude com a capacidade de se comunicar pelas redes sociais. “Falar a língua do povo”, mas online.

Além disso, o modo de João Campos lidar com a religião não foi testado. Ele ainda não é um nome nacional e não apareceu como adversário do bolsonarismo religioso. Mas isso deve acontecer em breve.


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