Palmeirense negro acusado injustamente de emboscada contra torcida do Cruzeiro estava a 420 km do local: ‘Racismo’

Via @portalg1 | “[Me] sinto vítima de racismo”, disse Henrique Moreira Lelis, palmeirense negro de 34 anos, sobre o motivo pelo qual entende ter sido acusado injustamente pela polícia paulista de ter participado da emboscada da Mancha Alviverde a dois ônibus de cruzeirenses da Máfia Azul.

Um torcedor do Cruzeiro morreu e outros 17 cruzeirenses ficaram feridos no ataque da torcida do Palmeiras na Rodovia Fernão Dias, em Mairiporã, Grande São Paulo. O crime ocorreu no dia 27 de outubro.

Henrique chegou a ter a prisão decretada pela Justiça em 30 de outubro após a investigação o apontar como o homem negro que aparecia nas filmagens feitas por palmeirenses atacando dois ônibus dos rivais com pedaços de barra de ferro e rojões. Um dos veículos foi depredado e outro, incendiado. Outros cinco palmeirenses, todos brancos, também tiveram as prisões decretadas naquela ocasião.

Mas Henrique não participou do ataque. Sequer estava no local no momento em que o cruzeirense José Victor Miranda morreu após ter sofrido queimaduras.

Nesta quarta-feira (20), Dia da Consciência Negra, que marca a luta contra o racismo, Henrique contou ao g1 sobre a humilhação sentida, os momentos de angústia e o desejo de que ninguém passe pelo que ele passou. “A minha vida poderia ter outro fim injustamente pela falha da Justiça brasileira”, diz. Foi a primeira entrevista dele após o episódio.

Dia da emboscada

O crime na Fernão Dias ocorreu por volta das 5h do dia 27 do mês passado. O palmeirense tinha chegado ao Rio de Janeiro por volta da 0h daquele mesmo dia. Voltava de Goiás, onde foi a trabalho. Ele é operador de máquinas.

Por volta das 12h20 do dia 27, Henrique foi gravado por câmeras de segurança com a esposa num mercado no bairro Santíssimo, no Rio. A operadora do seu celular confirmou que ele não passou por Mairiporã naquela data.

Henrique Lelis estava no Rio, conforme foto acima com o destaque mostrando ele num supermercado no mesmo dia do ataque palmeirense na Grande São Paulo — Foto: Reprodução
“Meu cliente foi vítima de um erro grave que colocou em risco sua vida, sua liberdade e sua dignidade. Não fosse uma atuação rápida e irrefutável de defesa, o final dessa história poderia ser trágico”, disse o advogado Arlei, que ainda estuda entrar com algum pedido de indenização por danos morais para seu cliente contra o estado.

Ele estava a mais de 420 km de distância do local do crime ou a quase seis horas de viagem de carro de lá. Com todos esses álibis, seu advogado, Arlei da Costa, entrou na Justiça com um pedido de revogação do mandado de prisão temporária contra Henrique.

Foram quase cinco dias escondido até a revogação judicial da prisão em 5 de novembro. Henrique voltou a ser um homem livre, mas não deixou de se sentir injustiçado. Policiais divulgaram por meio da imprensa as fotos dos procurados, incluindo a dele à época.

Henrique trabalha como operador de máquinas — Foto: Arquivo pessoal
Abaixo, confira a entrevista de Henrique Lelis ao g1. As perguntas foram feitas a ele pela assessoria de seu escritório, que gravou suas respostas.

‘Pegaram uma pessoa negra’

Henrique Lelis chora em entrevista após ter sido acusado injustamente pela polícia de participar de um crime que não cometeu — Foto: Reprodução
“É muito humilhante, é muito humilhante… porque a gente trabalha todo dia tentando dar o melhor do seu trabalho na sociedade pra tentar ser bem visto pelas pessoas. Aí numa foto que [mostra] 150 pessoas, eles acham um integrante negro no meio dessas 150 pessoas e acusam aquela pessoa por ter sido integrante da torcida há 11 anos atrás é complicado. Tinha que ter uma investigação melhor”, disse Henrique, que chorou ao lembrar do que passou.

Ele contou que a polícia encontrou um homem negro na foto do vídeo do ataque. E que, segundo Henrique, precisava mostrar para a sociedade que havia identificado quem era.

“O que dá para entender é isso. Aí pegaram uma pessoa negra, apontaram, como tivesse no crime, e eu fui acusado dessa situação…”, se recorda o operador de máquinas.

Henrique acredita que só foi apontado injustamente como esse membro da torcida palmeirense porque no passado já havia pertencido à Mancha Alviverde.

“Nunca mais tive contato, nunca mais me envolvi, nunca mais tive… afinidade nenhuma, com nenhum deles”, falou Henrique, que, apesar de dizer ter abandonado a Mancha, não deixou de ser palmeirense.

Palmeirense Henrique disse que já foi membro da Mancha Alviderde, mas que atualmente não é mais integrante da torcida organizada — Foto: Arquivo/pessoal
Um dos motivos de ter deixado a principal torcida organizada do Palmeiras e saído de São Paulo, segundo ele, foi ter ficado no meio de uma briga por acaso com corintianos em 2011 perto do Pacaembu na capital paulista. “De lá pra cá eu nunca mais fui em estádio de futebol”, disse ele que era conhecido à época como ‘Ditão da Mancha’.

Após o erro na identificação do suspeito negro, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) tirou a investigação do caso da Delegacia de Polícia de Repressão aos Delitos de Intolerância Esportiva (Drade) do Departamento de Operações Estratégicas (Dope), e passou a apuração para a 3ª Delegacia de Investigações de Homicídios Múltiplos do Departamento Estadual de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). As duas ficam na capital paulista.

“Vivi um momento de angústia, trancado dentro de casa, sem saber o que fazer, pedindo forças a todos os lados por ter… por estarem me acusando por algo que eu não cometi. Estava longe do momento que aconteceu”, afirmou Henrique. “Aliviado pelo que eu passei”.

“Pro futuro, eu espero que ninguém possa passar em tua vida o que eu passei nesses últimos dias… Sendo acusado por uma injustiça surreal que poderia acarretar em algo pior na minha vida. A minha vida poderia ter outro fim injustamente pela falha da Justiça brasileira”, lembrou.

Palmeirenses envolvidos na emboscada

Os sete palmeirenses que tiveram as prisões decretadas (da esquerda para a direita): Jorge Santos, Leandro Santos, Aurélio Lima e Alekssander Tancredi (na primeira linha); Felipe Santos, Neilo Silva e Jeovan Patini (na segunda linha) — Foto: Reprodução/Arquivo pessoal
De acordo com a investigação policial, os palmeirenses atacaram os cruzeirenses para se vingar deles de um ataque que sofreram na mesma rodovia em 2022, mas em Minas Gerais. Naquela ocasião, torcedores da Máfia bateram nos rivais da Mancha e compartilharam vídeos das agressões nas redes sociais.

Em retaliação, os integrantes da Mancha fizeram o mesmo. A polícia analisou esses vídeos e filmagens de câmeras de monitoramento para identificar os palmeirenses que agrediram os cruzeirenses no mês passado.

Dias antes de a Justiça ter excluído Henrique da lista de suspeitos palmeirenses identificados, ela havia prendido em 1º de novembro o primeiro membro da Mancha apontado como um dos responsáveis pela emboscada. Além dele, mais seis continuam sendo procurados como foragidos:

• Alekssander Ricardo Tancredi: torcedor da Mancha preso na sexta-feira passada foi indiciado pela polícia por homicídio, lesão corporal, dano, tumulto e associação criminosa. Está detido temporariamente por 30 dias na carceragem do 8º Distrito Policial (DP), no Brás. É investigado por suspeita de participar da execução do crime.

• Jorge Luiz Sampaio Santos: presidente da Mancha é apontado pela investigação como o responsável por idealizar, planejar e executar a emboscada aos cruzeirenses. Teve a prisão temporária decretada mas está foragido.

• Felipe Mattos dos Santos: o “Fezinho”, vice-presidente da torcida, também é investigado por participação decisiva na execução do plano. Segue foragido.

• Leandro Gomes dos Santos: o “Leandrinho”, diretor da organizada, é foragido.

• Aurélio Andrade de Lima: torcedor da Mancha, está foragido.

• Neilo Ferreira e Silva: o “Lagartixa”, professor de boxe e muai thai, apontado como linha de frente da Mancha na emboscada, segue foragido.

• Jeovan Fleury Patini: torcedor na Mancha e foragido.

O g1 não conseguiu localizar as defesas dos demais palmeirenses citados para comentar o assunto.

Segundo a investigação, todos os palmeirenses que forem identificados e presos responderão por participação no homicídio do cruzeirense José Victor e nas lesões corporais contra os outros membros da Máfia. Além disso, serão responsabilizados por dano, tumulto e associação criminosa.

Quem tiver informações sobre o paradeiro dos investigados pode telefonar para o Disque-Denúncia pelo número 181. Não é preciso se identificar.

Por Kleber Tomaz, g1 SP — São Paulo
Fonte: g1

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