Perícia feita a pedido de família de brasileira morta na Argentina indica feminicídio

BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Um ano e meio após a morte de Emmily Rodrigues em Buenos Aires, ao cair do sexto andar de um prédio no bairro de Retiro, a família da brasileira insiste que houve feminicídio e contratou uma nova perícia independente cujo laudo afirma isso.

 

Emmily, que tinha 26 anos, morreu em 30 de março de 2023 após cair do apartamento do empresário argentino Francisco Sáenz Valiente, que foi acusado de homicídio culposo e por facilitar o uso de drogas à vítima. Ele responde em liberdade, com uso de tornozeleira eletrônica.

A família de Emmily, porém, afirma que a brasileira não teria caído devido ao uso de entorpecentes, mas sim que foi jogada da janela do prédio. Emmily estava nua e possuía diversos ferimentos pelo corpo; a perícia contratada por sua família afirma que alguns deles foram produzidos antes da queda.

A brasileira havia chegado de madrugada ao apartamento de Sáenz Valiente com outras duas mulheres. Durante a manhã, o empresário ligou duas vezes ao serviço de emergência afirmando que Emmily estaria tendo uma espécie de surto psicótico.

O laudo assinado pelo criminalista Enrique Prueger, e que a família encaminhou à Justiça, analisa os áudios dessas chamadas, os vídeos da chegada de Emmily ao edifício e os ferimentos e conclui que se trata de um feminicídio. O documento foi detalhado inicialmente pelo jornal argentino Clarín e posteriormente enviado à Folha.

“A vítima apresentou múltiplas lesões que são incompatíveis com a dinâmica da queda, como as das mãos e do pescoço; junto à análise dos áudios, isso demonstra que a vítima sofreu tortura, foi golpeada e que seu corpo tinha traumas relacionados com medidas tomadas para evitar que ela escapasse do lugar”, diz o resultado da perícia.

Nas gravações das chamadas para o serviço de emergência, é possível escutar a voz de Emmily ao fundo. Sáenz Valiente afirmou que seriam expressões do surto que a brasileira estaria tendo.

A nova perícia, que não é vinculante ao processo por se tratar de algo encomendado por uma das partes, afirma que Emmily fez ao menos 14 pedidos de socorro durante esses áudios.

“Para entender que o fato não coincide com um homicídio, é importante ter em conta que as ações que antecedem a queda da vítima foram em sua maioria para pedir ajuda, chamando ‘polícia’ várias vezes””, diz um trecho.

O laudo de Enrique Prueger afirma que a brasileira foi jogada pela janela. “A altura da janela e as medidas da vítima, assim como as lesões em seu tórax e abdome direito, indicam que ela foi segurada e forçada a passar pela janela para fora.”

A reportagem questionou o criminalista sobre o fato de que a perícia quase não menciona as substâncias entorpecentes que Emmily usou. Ele disse que os gritos permitem ver que nem a quetamina, uma das substâncias apontadas no exame toxicológico e de efeito anestésico dissociativo, teria afetado sua capacidade de expressão. “Extraímos daí que ela é consciente da realidade de tudo que está passando naquele momento.”

Sáenz Valiente tem como advogado Rafael Cúneo Libarona, de um dos escritórios de advocacia mais conhecidos da Argentina. Ele é irmão do ministro da Justiça do governo de Javier Milei, Mariano Libarona. O escritório não respondeu aos pedidos de comentário.

Emmily vivia na Argentina desde 2018. Seu pai, Aristides, afirma que ela se mudou com a expectativa de cursar medicina após trancar o curso de direito em Salvador. Com dificuldades com o espanhol, alterou os planos e passou a atuar na área de tratamentos estéticos e como modelo.

Ele está já em seu terceiro advogado no caso. Agora, é representado por Raquel Hermida Leyenda, especializada em temas de gênero.

Leyenda pleiteia que a acusação seja de crime de feminicídio e trabalha para que Juliana Magalhaes, outra brasileira que estava com Emmily e com Sáenz Valiente no momento da morte, seja investigada. O laudo da perícia familiar diz que ela atuou como cúmplice. A reportagem não conseguiu contatá-la.

A pena para homicídio culposo na Argentina varia de 3 a 6 anos de prisão. Já para o crime de feminicídio é prevista prisão perpétua.

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