Práticas alternativas no SUS: o charlatanismo estatal – 15/10/2024 – Bruno Gualano



Segundo o Ministério da Saúde, as Práticas Integrativas e Complementares em Saúde (PICS) são abordagens terapêuticas que têm como objetivo prevenir agravos à saúde, a promoção e recuperação da saúde. São 29 terapias ofertadas por mais de 8.000 estabelecimentos de saúde na atenção primária e disponíveis na maioria dos municípios brasileiros.

Tem PICS para todos os gostos. Aos que apreciam as clássicas, há, como não poderia faltar, a homeopatia, ancorada em suas evidências científicas ultra diluídas (ops!). Também marca presença a constelação familiar, o dramalhão preconceituoso que promete resolver (mas não resolve) conflitos atribuindo à vítima –mulher, preferencialmente– a culpa pela violência sofrida.

Devo admitir que a lista de especialidades inclui algumas estranhas (também no sentido de desconhecidas) a mim.

Felizmente, o Ministério da Saúde esclarece cada uma delas. Aprendo no site oficial do governo que “a geoterapia, por meio de pedras e cristais como ferramentas de equilíbrio dos centros energéticos e meridianos do corpo, facilita o contato com o Eu Interior e trabalha terapeuticamente as zonas reflexológicas, amenizando e cuidando de desequilíbrios físicos e emocionais”.

E que a imposição de mãos é uma “prática terapêutica secular que implica um esforço meditativo para a transferência de energia vital (Qi, prana) por meio das mãos com intuito de reestabelecer o equilíbrio do campo energético humano, auxiliando no processo saúde-doença”.

Para os desavisados como eu, o termalismo social “consiste no uso da água com propriedades físicas, térmicas, radioativas e outras –e eventualmente submetida a ações hidromecânicas– como agente em tratamentos de saúde (…); um recurso terapêutico que remonta aos povos que habitavam nas cavernas”. Bem, disso não se pode duvidar.

Em meio à miscelânea de charlatanices, destoam algumas raras intervenções que não estão em rota de colisão com as evidências, como a ioga e a meditação.

Se, de fato, superarem o crivo da ciência, essas práticas integrativas e complementares de saúde deveriam ser chamadas simplesmente de práticas de saúde, livrando-as da máscara semântica que encobre pseudociências institucionalizadas. De cara limpa, terapias ineficazes não integram nem complementam. São apenas falsas terapias.

Não se quer rejeitar a essência que justifica a criação das PICS, isto é, a desejável visão ampliada do processo saúde-doença, que busca um cuidado integral, abrangente e humanizado no SUS. O que se questiona é se, para alcançar esse objetivo, precisamos recorrer a abordagens místicas que subsistem somente no efeito placebo.

Quem milita a favor de práticas “alternativas” no sistema público de saúde, por força da coerência, não deveria se indignar com a profusão de curas enganosas –incluindo PICS como a ozonioterapia– durante uma pandemia tão letal quanto a da Covid.

É na franja da complacência com a pseudociência que se fortalecem movimentos negacionistas perigosos, como o antivacina. Políticas públicas que dão as costas à ciência são diretamente responsáveis por essa ameaça.


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