Presos relatam que foram usados como cobaias em treinamento policial

Via @metropoles | O Departamento Penitenciário de Operações Especiais (DPOE) é acusado de fazer treinamentos na unidade usando os detentos como cobaias. Os policiais entrariam nos pavilhões lançando gás lacrimogêneo, retirando os internos das celas e aplicando técnicas como mata-leão. As informações constam em relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, com informações obtidas por meio de relatos de presos da Penitenciária do Distrito Federal I (PDF I).

Além dos relato dos detentos, o MNPCT recebeu, por email e outros canais, diversas denúncias relatando o uso de pessoas presas como cobaias durante os treinamentos realizados pelo DPOE, em que são usados armamentos menos letais, como bombas e spray de pimenta, e são praticadas diversas agressões contra as pessoas privadas de liberdade.

Na visão dos peritos federais, o cenário é grave e configura prática de crime de tortura, nos termos da Lei 9.455/1997. O relatório ressalta que, mesmo havendo previsão legal para que a DPOE contribua na realização de treinamentos com detentos para atuação em casos de motins e rebeliões, esse treinamento precisa se dar dentro dos limites da legalidade.

“O MNPCT tem recebido denúncias de diversos estados, incluindo Rondônia, sobre o uso de pessoas privadas de liberdade em treinamentos realizados por Grupos Táticos dentro do sistema prisional. Nos preocupa o fato de que essa prática esteja se espalhando por vários estados do Brasil”, afirma o documento.

Os internos que ocupam o presídio também afirmaram que são ameaçados com recorrências por agentes de segurança e que sentem medo de morrer. Os presos ainda descreveram que são segurados em cada membro por policiais, enquanto outro abre a boca dos detentos para aplicar spray de pimenta dentro.

Situação degradante

As pessoas com deficiência que são mantidas em custódia na Penitenciária do Distrito Federal (PDF) I se encontram em uma situação degradante, sem acessibilidade e dependendo da ajuda de colegas de cela para realizar atividades básicas. “Entendemos que esse cenário pode configurar uma prática de tortura”, afirma o relatório de inspeção elaborado por especialistas sobre a PDF I, classificada como de segurança média.

O texto foi divulgado no início da tarde de quarta-feira (27/11) pelo órgão e enviado ao Governo do Distrito Federal (GDF), ao Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), à Defensoria Pública do DF e ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).

A equipe visitou a penitenciária em 8 de março último e, na ocasião, encontrou 13 pessoas em uma cela onde só cabiam oito, sendo que quatro delas eram cadeirantes. “Em razão do pouco espaço da cela, as cadeiras de rodas permanecem empilhadas no canto da cela”, apontou.

Pelo levantamento, há 19 pessoas com alguma deficiência na PDF, sendo duas com deficiência visual, duas com paresia (fraqueza, diminuição ou interrupção dos movimentos de um ou mais membros), oito com atrofia, três com paralisia (perda da capacidade de movimentar uma parte do corpo), uma com amputação de membro inferior, uma com paraplegia (paralisia dos membros inferiores) e outra com hemiplegia (paralisia dos membros de um lado do corpo).

Superlotação e falta de ventilação

O relatório ainda indicou que existem espaços (celas ou alas) destinados a pessoas com deficiência, idosas e LGBTI+. Na PDF I, as celas estão dispostas lado a lado em um grande corredor.

“A entrada de ventilação das celas é apenas por frestas na parede na parte frontal. As portas das celas são chapadas, sem abertura. Nos corredores, em geral, não há abertura para a área externa para a entrada de ventilação e iluminação natural”, disse.

“Essa arquitetura, que não permite nenhuma fonte de aeração e luz externa viola frontalmente as normativas nacionais e internacionais sobre padrões mínimos de tratamento e de arquitetura de unidades prisionais”, acrescente.

O estudo também apontou que a PDF I está superlotada, com taxa de ocupação de 236%, superior inclusive à média do DF, que é de 179%.

O número indica que o Distrito Federal tem a quinta maior taxa de aprisionamento do país. São 556 pessoas privadas de liberdade em unidades prisionais a cada 100 mil habitantes, enquanto a média nacional é de 319 pessoas presas a cada 100 mil habitantes. Os dados não incluem prisões domiciliares.

Redes cortadas na madrugada

Presos do Distrito Federal contaram que policiais penais, à noite, cortavam as redes improvisadas com a intenção de fazer com que caíssem enquanto estivessem dormindo.

Os detentos ainda mencionaram que sofreram graves ferimentos decorrentes dessa ação. Algumas pessoas relataram estar sofrendo perseguição depois de denunciarem agressão por policiais penais na unidade. Durante vistoria na Penitenciária do Distrito Federal I (PDF I) em março, os membros do MNPCT encontraram celas compostas apenas por duas camas, que eram habitadas por 10 pessoas.

Havia também espaços que possuíam oito camas e 25 presos. “Pela falta de camas e de espaço no chão, as pessoas presas improvisam redes para conseguirem dormir e outras informaram que dormem no chão”, aponta o relatório.

Doenças infectocontagiosas

O estudo ainda revela que 5% das pessoas presas na PDF foram diagnosticadas com doenças infectocontagiosas, sendo sífilis (149) e HIV (29) as mais prevalentes.

Tuberculose também foi citada no relatório. No ano passado, 20 pessoas contraíram a doença, segundo os profissionais de saúde. Inclusive, um dos três óbitos registrados no local teve como causa insuficiência respiratória associada a um quadro de tuberculose.

O estudo citou uma pesquisa publicada pela Fiocruz em outubro deste ano que aponta para o impacto do encarceramento na epidemia de tuberculose na América Latina.

Segundo os dados do instituto, as intervenções em saúde na população presa poderiam reduzir em mais de 10% as futuras incidências de tuberculose na população geral do Brasil.

“Dessa forma, entendemos que medidas de desencarceramento e redução das taxas de aprisionamento no DF são imprescindíveis para a redução das taxas de tuberculose nessa e outras unidades prisionais, e para a melhoria do quadro de saúde em geral da população presa, medida que ainda pode ter impacto na incidência futura de tuberculose na população geral”, destaca o relatório.

Os registros apontavam, ainda, um total de 755 pessoas presas em uso de psicotrópicos, o que corresponde a cerca de 20% da população prisional total naquele dia. Segundo o estudo, uma pessoa teria relatado ser diagnosticada com câncer de próstata e se encontrava com fortes dores e fraqueza.

Outro preso, diagnosticado com hipertireoidismo, contou estar sem medicação há quase um ano. Ele teria emagrecido mais de 40 quilos e passou a sofrer com desmaios frequentes. Segundo o Mecanismo, ele estava extremamente emagrecido no momento da vistoria.

O estudo apontou que em três meses os detentos perdem de 20 a 30 quilos devido à falta de valor nutricional em alimentos ofertados.

A publicação encaminhou recomendações a órgãos do GDF e a órgãos de controle apontado as violações de direitos humanos sofridas pelos detentos.

O TJDFT informou que recebeu o relatório resultante da inspeção do Mecanismo de Combate e Prevenção a Tortura, do Ministério dos Direitos Humanos, nessa segunda-feira (25/11), e está fazendo a devida apuração nas varas de execução penal do Distrito Federal.

O MPDFT também recebeu o documento e informou que será distribuído.

O que diz a Seape

A Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape-DF) informou, em nota, que a PDF I oferece duas celas adaptadas para atender pessoas com necessidades especiais, e que esses espaços foram estruturados para garantir a acessibilidade e o atendimento adequado às condições dos custodiados.

Segundo a pasta, as celas adaptadas possuem estrutura com espaço ampliado para acomodação de cadeiras de rodas, rampas de acessibilidade, barras de segurança, vaso sanitário e chuveiro. “Cada uma das celas abriga 13 custodiados com necessidades especiais e conta com dois cuidadores para prestar assistência no dia a dia, garantindo dignidade e respeito às condições de cada indivíduo. Esses cuidadores são reeducandos classificados para o trabalho intramuros” completou.

Veja nota na íntegra:

“A Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal (Seape-DF) foi notificada sobre inspeção realizada em março deste ano e ressalta que implementa constantemente ações para melhorar as condições do sistema penal e garantir a segurança, a dignidade e o atendimento às necessidades básicas dos custodiados.

Para equilibrar o excesso populacional nas unidades de regime fechado, foi ativada, em junho de 2024, a Penitenciária do Distrito Federal IV (PDF IV). Essa unidade passou a abrigar reeducandos do regime fechado, possibilitando 1.664 novas vagas para este regime e reorganizando a população carcerária. Antes, o Complexo Penitenciário da Papuda contava com duas unidades para o regime provisório e duas para o regime fechado. Como a maior parte da população carcerária cumpre pena em regime fechado, a PDF IV foi instalada no espaço do antigo CDP I, que atendia ao regime provisório. Com isso, as PDF I e II passaram a operar com maior equilíbrio populacional.

Além disso, a Seape/DF concluiu em novembro de 2024 a nomeação de 272 novos policiais penais, complementando os 300 incorporados em dezembro de 2023. Essas nomeações integram o concurso público que aprovou 1.563 candidatos e têm como objetivo reforçar a segurança nas unidades e aprimorar as condições de trabalho dos servidores.

No que diz respeito às condições estruturais, problemas como ventilação inadequada, infiltrações, fiações expostas e banheiros danificados são tratados por meio do Núcleo de Reparos (NUREP) da unidade penal. A Penitenciária I do Distrito Federal (PDFI) integra um complexo inaugurado em 2006.Degradações, decorrentes de vandalismo ou de fatores naturais, são monitoradas diariamente. Sempre que uma situação é identificada, as áreas são isoladas para garantir a segurança, e equipes de manutenção são acionadas para realizar os reparos necessários. Além disso, quando danos resultam de vandalismo, os responsáveis podem ser identificados e responder por sanções administrativas ou penais.

O fornecimento de alimentação segue critérios rigorosos e está sob constante fiscalização. Cada unidade penal realiza relatórios em dias aleatórios, três vezes por semana, para verificar a qualidade das refeições servidas. Esses relatórios avaliam itens como a temperatura dos alimentos, o armazenamento, a gramatura de cada item e a conformidade com o cardápio estabelecido em contrato, conforme previsto pela Portaria nº 50, de 16 de fevereiro de 2022. Além disso, marmitas são pesadas durante essas inspeções para garantir que os padrões sejam cumpridos. Equipes compostas por executores e nutricionistas das empresas contratadas acompanham semanalmente os itens fornecidos, o armazenamento nos depósitos e as condições das cozinhas. Irregularidades identificadas podem resultar em sanções às empresas responsáveis, conforme previsto no contrato de prestação de serviços.

A Seape/DF também se dedica a garantir assistência material, médica e educacional aos custodiados. Iniciativas voltadas para a capacitação profissional e o trabalho no sistema penitenciário são promovidas com frequência, contribuindo para a reinserção social. Os itens e sua periodicidade de distribuição estão previstos na Portaria 231/2022-SEAPE.

No período de outubro de 2023 a outubro de 2024, foram oportunizadas mais de 21.000 atividades educacionais que possibilitam a remição da pena. Neste mesmo período, foram 6511 reeducandos matriculados no EJA. Desde a sua criação,em março de 2023, o Procap já formou profissionalmente mais de mil custodiados. Além disso, a Seape/DF emitiu 1.258 documentos de identidade e 982 certidões (nascimento/casamento/óbito) dentro das unidades penais, no período de outubro de 2023 a outubro de 2024.

A Seape/DF esclarece ainda que a PDF I oferece duas celas adaptadas para atender pessoas com necessidades especiais. Esses espaços foram estruturados para garantir a acessibilidade e o atendimento adequado às condições dos custodiados.

As celas adaptadas possuem estrutura com espaço ampliado para acomodação de cadeiras de rodas, rampas de acessibilidade, barras de segurança, vaso sanitário e chuveiro. Cada uma das celas abriga 13 custodiados com necessidades especiais e conta com dois cuidadores para prestar assistência no dia a dia, garantindo dignidade e respeito às condições de cada indivíduo. Esses cuidadores são reeducandos classificados para o trabalho intramuros.

A Pasta reafirma seu compromisso com a gestão eficiente e com a manutenção de condições dignas no sistema penal, sempre alinhada aos princípios da legalidade e da dignidade humana”.

Por Jonatas Martins e Jade Abreu
Fonte: metropoles.com

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