VINICIUS SASSINE
BELÉM, PA (FOLHAPRESS) – Uma empresa revendedora de antenas da Starlink, empreendimento do bilionário Elon Musk, foi contratada pelos governos do Pará e do Amazonas para alugar kits e fornecer internet via satélite a escolas na Amazônia.
Os contratos somam R$ 561 milhões e foram assinados em 2024 apesar de a estatal Telebras executar um programa de internet, também via satélite, em regiões remotas do país.
A busca pela internet da Starlink tem como um dos objetivos centrais a ampliação de aulas online em comunidades mais isoladas, com redução da presença de professores.
O contrato entre o Governo do Pará e a Via Direta Telecomunicações, revendedora da Starlink sediada em Manaus, prevê a locação de 1.650 kits e roteadores para atendimento a escolas no interior do estado. Uma fonte dos recursos citada no contrato, que tem prazo de cinco anos e um valor global de R$ 357,2 milhões, é o FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação).
Já o contrato entre o Governo do Amazonas e a Via Direta prevê a locação de 1.100 kits para provimento de internet banda larga via satélite. O gasto previsto é de R$ 203,7 milhões, em cinco anos.
À Folha, a Telebras -que é vinculada ao Ministério das Comunicações- afirmou que tem capacidade para atender todas as escolas em regiões remotas do país e que executa uma política pública do governo federal voltada ao fornecimento de internet via satélite a locais de difícil acesso.
Segundo a empresa, existem 15 mil pontos conectados em áreas remotas, dos quais 12 mil são destinados a escolas. Isso inclui 1.997 unidades de ensino no Pará e 1.032 no Amazonas, conforme a estatal.
A empresa não diz quantos pontos de internet via satélite estão em escolas da rede pública estadual. Os dados disponíveis mostram que a maioria dos estabelecimentos atendidos é da rede municipal.
“A empresa prioriza o uso do satélite geoestacionário de defesa e comunicações estratégicas [SGDC] e complementa sua oferta com parceiros”, afirmou a estatal.
Em nota, a Via Direta disse que a internet que a Telebras opera tem “velocidades baixíssimas e não chegam a 10 mbps”, um vigésimo da velocidade média da Starlink, “que é de 200 mbps”. “A Telebras opera em banda KA e não tem mais capacidade para atender nenhuma escola, estando com seu satélite SGDC saturado.”
O diretor do Departamento de Tecnologia da Secretaria de Educação do Amazonas, Helder Viana, fez afirmação semelhante. “A gente tem o serviço da Telebras há muitos anos, mas é muito ruim. Só 75 escolas usam essa internet, porque ela não atende o necessário.”
O Governo do Pará disse, em nota, que somente 240 escolas estaduais usam a internet do programa do Ministério das Comunicações. “O programa promete conexão de 20 mbps, mas entrega menos de 0,5 mbps na prática.” Em 2024, foram pagos R$ 18,3 milhões pelo serviço de 906 antenas da Starlink, segundo a gestão Helder Barbalho (MDB).
No último ano da gestão de Jair Bolsonaro (PL), em 2022, o governo anunciou uma parceria com a Starlink para a operação de satélites na Amazônia. Musk, que também é dono do X (ex-Twitter), da Tesla e da SpaceX, esteve no Brasil e se reuniu com o então presidente e integrantes de seu governo.
Bolsonaro foi derrotado nas urnas, e o governo Lula (PT) mantém distância dos interesses do empresário, o homem mais rico do mundo. A primeira-dama, Rosângela da Silva, a Janja, já xingou em público o bilionário, que hoje integra o governo de Donald Trump nos Estados Unidos.
As antenas da Starlink passaram a ganhar mais espaço na Amazônia brasileira por meio dos contratos firmados por governos estaduais.
No Pará, segundo dados do Censo Escolar de 2023, menos de um terço dos alunos dos anos finais do ensino básico tem acesso a internet nas escolas. No Amazonas, esse indicado é ainda pior: 18,1%.
As gestões locais decidiram alugar antenas da Starlink para incrementar o acesso em áreas mais remotas na região amazônica, com a finalidade de ampliar a quantidade de aulas online em aldeias e comunidades.
A redução de aulas presenciais levou centenas de indígenas a ocuparem o prédio da Secretaria de Educação do do Pará, em Belém, em janeiro. O governador Helder Barbalho precisou recuar, e propôs revogação da lei que ampliava o ambiente virtual de aulas nas comunidades tradicionais.
No estado, o preço pago pela internet via satélite é mais caro do que o cobrado do governo Wilson Lima (União). Isso se deve a questões tributárias, segundo a revendedora.
Conforme o contrato, o serviço de comunicação via satélite custa R$ 500 por mês, por unidade. O serviço de locação de kit e manutenção foi vendido por R$ 2.900 por mês, por unidade. E há um custo único para instalação do kit: R$ 2.500.
Já o contrato da Via Direta com o governo do Amazonas tem especificações diferentes: R$ 70 mensais a título de manutenção, R$ 166 para serviço de comunicação via satélite e R$ 2.850 para locação do kit.
Os preços são bem superiores aos ofertados para residências. “O serviço corporativo só está disponível no site da Starlink para clientes americanos”, disse a revendedora.
A Via Direta assinou o contrato com o Amazonas em fevereiro de 2024. Com o Pará, em maio. Em agosto, a empresa foi contratada pelo Tribunal de Justiça amazonense para também oferecer internet via satélite. Dez dias depois, porém, houve rescisão unilateral do contrato.
Segundo o termo da rescisão, houve desrespeito à cláusula que trata da execução dos serviços de forma completa e eficiente.
“O contrato foi rescindido com fundamento em análise técnica, que concluiu pela incompatibilidade do objeto ofertado pela empresa contratada em relação às especificações exigidas”, disse o TJ, em nota. Segundo a Via Direta, o tribunal quis forçar a instalação de antenas de alta performance, “18 vezes mais caras”.
O Ministério das Comunicações afirmou, em nota, que todas as escolas de áreas remotas da Amazônia terão internet de banda larga, por fibra óptica ou satélite, até o fim de 2026. “As conexões serão realizadas em escolas que não contam com internet, por isso não há risco de contratação redundante.”
O Ministério da Educação, por sua vez, disse que o dinheiro do FNDE não foi usado para um serviço redundante e que monitora as políticas para não haver sobreposição de recursos.
Para o diretor da Secretaria de Educação do Amazonas, a redundância de pontos de internet pode ser necessária ao “ensino por mediação tecnológica”. “As aulas online são em tempo real, com interação dos alunos. Um único professor pode estar falando para até 2,1 mil salas de aula ao mesmo tempo”, disse Viana.
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