Se eu fosse o autor de ‘Vale Tudo’ – 23/10/2024 – Maurício Stycer



A nova onda de remakes de novelas consagradas ensina fatos importantes sobre o universo de fãs da teledramaturgia brasileira.

A primeira e mais óbvia lição é que qualquer novela, após ser exibida, passa a pertencer a quem a assistiu. Não estou falando de direitos autorais e conexos, que cabem à Globo e a muitos dos envolvidos em cada produção, mas das lembranças que permanecem no imaginário de cada um.

Um publicitário talvez chamasse isso de “recall”. Prefiro falar em memória afetiva.

Só se refaz novela que teve algum tipo de impacto sobre sua audiência original. E esse impacto, com o tempo, se congela no HD mental do espectador como uma lembrança especial, boa ou ruim, amorosa ou triste, mas só dele.

Num país como o Brasil, em que se discute sobre novelas em redes sociais, fóruns de internet e, não raro, na mesa do bar, é muito fácil observar como os fãs do gênero se sentem donos das tramas que os encantaram.

Caso houvesse alguma dúvida a respeito, a decisão da Globo de refazer “Vale Tudo” trouxe à tona a delicada e curiosíssima relação de posse do espectador com a novela.

Não fazemos a menor ideia sobre como se escala o elenco de um folhetim, mas cada um de nós tem na ponta da língua os nomes que consideramos perfeitos para a nova versão da trama. Em julho, a pedido da Ilustrada, para uma reportagem que ainda não foi publicada, escalei alguns atores para integrar “Vale Tudo” e ainda justifiquei a razão.

Maria de Fátima: Alice Wegmann, uma ótima atriz, já foi vilã em “Órfãos da Terra”. Raquel: a mesma Regina Duarte, que hoje ficaria ainda melhor no papel. Odete Roitman: Isabel Teixeira, uma atriz genial. Heleninha: Karine Teles, atriz muito talentosa. Afonso: Jesuíta Barbosa faria uma boa releitura do papel. Ivan: Irandhir Santos, porque é ótimo em qualquer papel. César: Jonathan Azevedo, que poderia acrescentar uma camada de humor ao tipo.

A julgar pelo noticiário, minhas sugestões não foram levadas em consideração. Alguns desses nomes até estão no elenco, mas em outros papéis. Isso não quer dizer que “Vale Tudo” será um fracasso, mas vou assistir à novela lamentando não ter sido ouvido.

A recente entrevista da autora do remake, Manuela Dias, ao jornalista Pedro Martins, aqui na Ilustrada, gerou um debate apaixonado, daqueles que parecem estar tratando de forma decisiva dos rumos do país.

Manuela ousou sugerir que tem a intenção de alterar os perfis de alguns personagens, entre os quais o de Odete Roitman, a maior vilã da história da teledramaturgia brasileira.

“Naquele momento, falar mal do Brasil, ou poder falar mal, era resistência, era revolucionário, era novo. Hoje não é mais. A gente está saturado disso. O novo é encontrar maneiras de transformação. Odete não aponta caminhos, mas será diferente”, prometeu a autora.

Mesmo não concordando, gostei do atrevimento. É ótimo que Manuela tenha uma visão pessoal sobre como deve ser a história. E tenho certeza de que Gilberto Braga, um autor ousado e iconoclasta, aprovaria uma nova Odete.

Assim como a grande maioria dos fãs, eu também tenho a fórmula para o sucesso da nova versão da trama de Gilberto, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères.

Para não ser um remake frouxo, como foi “Renascer”, acho que “Vale Tudo” deveria ignorar as expectativas do público que assistiu à versão original, ou seja, nós, e radicalizar na atualização da trama, incluindo, naturalmente, um núcleo bolsonarista da pesada.


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