Setor de saúde na Bolsa é o mais consistente em crescimento de receita

STÉFANIE RIGAMONTI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Desde que a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) estabeleceu novas regras de divulgação dos balanços financeiros das companhias de capital aberto, em 2010, apenas dez empresas que ainda continuam listadas apresentaram crescimento constante, ano a ano, de receita líquida até junho de 2024.

 

Hoje, 374 companhias estão listadas na Bolsa de Valores de São Paulo. Ou seja, apenas 2,7% das empresas abertas conseguiram manter movimento de alta constante nas vendas. Dessas, a metade é do setor da saúde: RaiaDrogasil, Dasa, Pague Menos, Fleury e Dimed, distribuidora de medicamentos da Panvel.

O número das empresas do setor nessa seleta lista é expressivo. Atualmente, 25 companhias ligadas à saúde têm capital aberto, conforme consta no site da B3, a operadora da Bolsa brasileira. Ou seja, 20% do total das empresas do setor que são listadas mantiveram crescimento constante de receita no período.

Importante destacar que, depois de 2010, outras empresas ligadas à saúde abriram capital na Bolsa, mas não foram contabilizadas no levantamento, que leva em conta só as companhias que já eram listadas naquela época. Ou seja, a proporção poderia ser maior.

Os dados constam em levantamento da Elos Ayta Consultoria a que a Folha teve acesso em primeira mão.

Segundo Einar Rivero, sócio da Elos Ayta, para analisar as instituições financeiras, que não possuem receita operacional, o levantamento levou em consideração a receita líquida de intermediação financeira. Nenhum banco apresentou crescimento ano a ano nesse quesito no período.

Outras duas empresas que mantiveram crescimento constante desde 2010 são do setor de saneamento: Sanepar e Casan. As três restantes que compõem a lista são a holding do setor de logística Simpar, a empresa de aluguel de carros Localiza e a administradora de shopping centers Allos, empresa que resultou da fusão entre a Alliansce Sonae e a brMalls.

Mas isso tudo considerando apenas os valores nominais. Se descontada a inflação no período, apenas uma companhia apresentou crescimento sólido de receita -e também é do setor da saúde: a RaiaDrogasil.

Marcos Piellusch, professor de finanças nos cursos de pós-graduação e extensão da FIA Labfin Provar, observa que o setor de saúde é pouco afetado pelos ciclos econômicos por ser uma necessidade básica, o que garante uma demanda estável. “Mesmo em períodos de crise, a população precisa de medicamentos, diagnósticos e cuidados médicos, garantindo uma receita constante”, afirma.

O analista Rafael Lage, da CM Capital, corrobora essa visão. Segundo ele, as empresas dessa área têm uma vantagem frente a outros setores por oferecerem produtos e serviços que, independentemente da condição social das pessoas, sempre serão consumidos pela necessidade.

“Há uma resiliência desse segmento. Ele é estável e recebe muito capital estrangeiro. Essas companhias também têm bastante recurso para investir em publicidade”, acrescenta.

As companhias do setor que conseguiram coadunar essa estabilidade com uma forte expansão territorial, acabaram usufruindo de bons resultados ao longo do tempo, segundo Piellusch.

“Empresas como a RaiaDrogasil expandiram significativamente suas operações, abrindo novas unidades em diversas regiões do país. Isso ampliou sua base de clientes e contribuiu para o crescimento da receita”, diz

Importante observar que as companhias que se mostraram resilientes ao longo de todo esse período foram aquelas do segmento de farmácia e medicamentos ou laboratórios de diagnósticos. Os planos de saúde vêm passando por um período crítico desde 2022, quando a disparada da inflação médica passou a pressionar as receitas dessas companhias.

O professor Piellusch diz que a diversificação de portfólio das farmácias, com medicamentos de marca própria, perfumaria e até serviços complementares, também ajudou a ampliar a base de clientes dessas empresas, fortalecendo suas vendas de forma recorrente. Isso se somou a programas de fidelidade e investimentos na experiência do cliente.

Além disso, ele acrescenta que o desenvolvimento de tecnologias e plataformas digitais tanto por empresas do segmento de medicamentos como por laboratórios de diagnósticos facilitou o acesso dos consumidores aos seus produtos e serviços, ampliando a venda dessas companhias.

VOLATILIDADE NO BRASIL PREJUDICA RESULTADO DAS EMPRESAS
Mesmo desfrutando de crescimento saudável de receita ano a ano, essas empresas não conseguiram manter a constância em termos de lucros. O levantamento mostra que nenhuma companhia da Bolsa manteve resultado constante de alta em suas margens no período.

Apesar de os especialistas observarem que, mesmo no exterior, empresas enfrentam desafios cíclicos que afetam suas receitas e lucros, o economista Daniel Wainstein, sócio-fundador da Seneca Evercore, diz que no Brasil esses movimentos são bem mais intensos.

“Os juros em países desenvolvidos variam, mas não de forma tão drástica como a gente tem. A gente basicamente na pandemia saiu de 2% para quase 14%. Então, as empresas se endividaram no momento em que acharam que 2% era ótimo, e de repente a taxa de juros subiu de uma forma que não acontece em países desenvolvidos. Então isso é uma coisa muito típica nossa”, afirma.

Wainstein diz que com a alta da taxa básica, a Selic, as empresas acabam perdendo a capacidade de fazer investimentos, já que precisam despender mais recursos para o pagamento de suas dívidas, e ficam sem dinheiro para manter seus negócios. “Isso leva à volatilidade de receita que a gente observa a cada trimestre nos balanços”, afirma.

Rafael Lage diz que esse cenário prejudica o ambiente de negócios. Ele lembra que o marco de 2010, com a Lei das S.A. e quando a CVM passou a exigir que as empresas abertas fossem mais transparentes em seus balanços, o que em tese deveria melhorar a atração de investimentos, acabou não trazendo um efeito muito prático nesse sentido.

“Apesar da melhora trazida em 2010, ainda existem entraves burocráticos e nem todas as empresas conseguem ter acesso ao crédito”, diz.

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