Você, leitor, já teve sexo com um robô? Já se apaixonou por um avatar? Já tomou um comprimido para se sentir tão apaixonado pela sua parceira como na noite em que a conheceu?
E que tal alugar um rapaz ou uma moça para comparecer àquele compromisso familiar em que todo mundo pergunta se você já tem um namorado ou namorada?
Minhas respostas às perguntas são: não, não, não e não estou interessado. Mas eu nasci no século 20. As coisas são diferentes no 21.
Eis a tese de Roanne van Voorst em tratado que aconselho sobre o futuro do amor. A professora Voorst é antropóloga e, na boa tradição da disciplina, sabe do que fala porque fez trabalho de campo.
O resultado está em “Six in Bed: The Future of Love – From Sex Dolls & Avatars to Polyamory”. É um título enigmático. Seis na cama?
O poliamor, pelo visto, não é apenas um desafio ético. Também é um problema de espaço. Haverá camas para seis? E haverá quartos para camas de seis?
Divago. No livro de Voorst, o poliamor é quase pueril quando comparado a outras variantes.
As bonecas e os robôs sexuais me intrigam. Até 2050, explica a antropóloga, 10% dos mais jovens terão tido relações com esses bonecos; muitos viverão com eles “maritalmente”, digamos. Vantagens?
A possibilidade de termos um objeto sexual que corresponde aos nossos desejos mais exclusivos. Aquelas pernas. Aquele rosto. Aquela bunda. Aquela vagina (removível, de preferência, porque facilita a limpeza).
As desvantagens estão no preço exorbitante, embora seja possível alugar um. Roanne van Voorst alugou. São pesados, difíceis de mover e silenciosos como um cadáver. Compreensivelmente, a professora Voorst sentiu falta do toque humano.
Para quem não tenciona ir tão longe, mas sente, apesar de tudo, que as coisas esfriaram lá em casa desde a lua de mel, há comprimidos e soluções líquidas que permitem mimetizar, a um nível químico e neuronal, as borboletas no estômago dos primeiros tempos de paixão.
Se os antigos gregos já acreditavam que uma mistura de fígado de porco, sal e mel, quando aplicada sobre o membro viril, podia fazer milagres, a ciência é mais rigorosa —e os resultados, segundo Roanne van Voorst, são mensuráveis, ainda que modestos.
Confesso o meu ceticismo. Não com a eficácia dos produtos. Com o conceito de felicidade química entre amantes. Só masoquistas pretendem viver toda a vida com a excitação ofegante, às vezes dolorosa, dos primeiros encontros.
Se a ideia, porém, é ressuscitar um amor defunto, serei o único a ver aqui uma solução ainda mais triste do que a separação e o adeus?
Imagino a cena:
– Querida, você se tornou repugnante. Mas não desanime: ainda não tomei a medicação hoje.
– Querido, você tirou as palavras da minha boca. Eu já tomei, mas preciso subir a dose.
Claro que é tudo uma questão de perspectiva. Amar um robô, um avatar digital ou um ser humano com ajuda farmacológica ainda transporta um leve aroma de familiaridade.
Mas o futuro, explica Roanne van Voorst, também pertencerá aos “sologamistas”, que dispensam qualquer arranjo natural ou virtual, e aos assexuados, para quem “o prazer é momentâneo, a posição é ridícula e a despesa é medonha”, como dizia (mas não seguia) o prolífero Lord Chesterfield.
Nunca vivemos em sociedades tão sexualizadas como hoje. E nunca houve um tão acentuado desinteresse pela prática sexual entre os mais jovens. Razões?
Sempre acreditei que a primeira frase explica a segunda. Quando tudo em volta grita, é natural querer ficar calado. O sexo é, primeiro de tudo, uma questão de imaginação.
Moral da história?
Viver e deixar viver é ainda o meu lema. Se o meu vizinho ama uma boneca e quer casar com ela, só posso desejar boa sorte ao casal.
De igual forma, concordo com Woody Allen: às vezes, masturbação é fazer amor com a pessoa que mais amamos.
O ponto, porém, é outro: há algo de especificamente humano que se perde quando retiramos o outro da equação amorosa.
Como escreve Roanne van Voorst, há uma atrofia das nossas capacidades —verbais, sociais, emocionais, até sexuais– que nos empobrece como pessoas.
A relação amorosa, mesmo quando infeliz, é também um momento de florescimento e maturidade em que somos obrigados a sair de nós próprios. A rendição ao outro é, paradoxalmente, um triunfo para nós.
Esse, aliás, talvez seja o verdadeiro perigo de um futuro dominado pelos robôs, conclui Roanne van Voorst. Quem teme que eles possam se tornar humanos deveria considerar a hipótese inversa de sermos nós a ficar robóticos.
Publicitário e Jornalista.